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Os Belard

Genealogia e história de uma família em Belard.pt

As condecorações do General António Joaquim Gomes da Fonseca


General António Joaquim Gomes da Fonseca, em uniforme de gala e com todas as suas condecorações, c. 1895


Ao longo de toda a sua carreira militar, o General António Joaquim Gomes da Fonseca foi agraciado com várias condecorações, como normalmente sucede aos militares de carreira e era ainda mais frequente na época em que viveu. As suas condecorações ainda existem e estão na família. Não tenho acesso a elas, por razões que não vêm ao caso; mas as mesmas estão descritas em várias fontes, e podem ser vistas nos retratos que o General tirou ao longo da vida em uniforme de gala. Por isso, e à falta de fotografias dos originais, decidi fazer um pequeno estudo iconográfico sobre essas condecorações (ainda que eu não seja, de modo algum, especialista em falerística), tentando identificá-las nas fotografias do General Fonseca – o que também me permitiu uma datação mais precisa desses retratos – e apresentar uma imagem a cores de cada condecoração a partir de exemplares mais ou menos contemporâneos. O efeito será, no mínimo, decorativo, e pode ser que as informações interessem a alguém...

A mais antiga fotografia que conheço onde o General Fonseca aparece condecorado é a seguinte, datável de Abril-Maio de 1877 e tendo ele o posto de Major:

Major António Joaquim Gomes da Fonseca, Abril-Maio de 1877

As condecorações presentes nesta fotografia constituem já o núcleo principal das insígnias do General Fonseca e são relativamente fáceis de reconhecer. A medalha que ostenta junto ao pescoço foi a mais complicada, e devo a sua identificação à amabilidade do eminente especialista em Falerística, Dr. D. José Vicente de Bragança.

1 - Medalha da Sociedade de Geografia de Lisboa (o Major Fonseca tornou-se no sócio nº 150 em 1877)

2 - Colar de Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada (conferido a 22/07/1870)

3 - Cruz de Oficial da Ordem de Cristo

4 - Cruz de Cavaleiro da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (conferida a 06/04/1868)

5 - Cruz de Oficial da Ordem de São Bento de Aviz (conferida a 21/04/1868)

6 - Placa de Comendador da Ordem de Cristo (conferida a 24/04/1877)


Vamos ver estas insígnias uma por uma.

1 - Medalha da Sociedade de Geografia de Lisboa

Pensei durante muito tempo ser esta também uma medalha militar, e não conseguia de forma alguma identificá-la. O Dr. D. José Vicente de Bragança, a cuja enorme autoridade e saber recorri, rapidamente me esclareceu tratar-se da Medalha da Sociedade de Geografia de Lisboa, de que eu sabia ter o General Fonseca sido sócio.

Só não sei o metal da medalha. Tenho conhecimento de exemplares em bronze, prata dourada e creio que em ouro. Pela fotografia podemos certamente concluir não ser de bronze; o brilho indica ser muito provavelmente de prata, ou talvez de prata dourada. Estas medalhas de suspensão, com cerca de 5 cm. de diâmetro, foram mandadas cunhar pela Sociedade de Geografia de Lisboa para os sócios, e creio que normalmente tinham o nome do sócio gravado no rebordo.

Medalha da Sociedade de Geografia de Lisboa, de prata dourada ou ouro

Como na Sociedade de Geografia de Lisboa me informaram que o então Major António Joaquim da Fonseca se tornou sócio da mesma em 1877, com o nº 150, isso permitiu-me marcar o limite temporal mais antigo da fotografia. Como, por outro lado, sei que esteve em Portugal, de licença, em 1877, mas a 30 de Maio foi nomeado Governador do Príncipe pela segunda vez e tomou posse a 9 de Junho, e a fotografia foi tirada em Lisboa, pelo fotógrafo Fritz, este retrato só pode ser dos primeiros meses de 1877.


2 - Colar de Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada

O grau de oficial da Ordem da Torre e Espada foi conferido ao então Capitão Fonseca a 22/07/1870, imediatamente antes de ser nomeado Governador da Ilha do Príncipe pela primeira vez de forma efectiva e depois de já ter exercido o cargo interinamente por duas vezes.

Colar da Torre e Espada, século XIX

É, sem dúvida, a mais importante e mais vistosa de todas as condecorações do General Fonseca, ainda que seja apenas do grau de oficial. Note-se que ainda hoje o mesmo modelo de colar da Torre e Espada é atribuído aos graus de Grã-Cruz, Grande-Oficial, Comendador e Oficial, sendo o Grande Colar, esse sim, um pouco diferente. A fotografia apresenta o modelo de colar mais próximo daquele que o General Fonseca ostenta nos retratos.

Medalha da Ordem da Torre e Espada, modelo de 1834

Nesta fotografia de outro exemplar é mais visível o desenho central da venera, com as Armas Reais e a Carta Constitucional.


3 - Cruz de Oficial da Ordem de Cristo

As insígnias da Ordem de Cristo são talvez aquelas que mais alterações sofreram depois de 1910, a par das da Ordem de Aviz. As cruzes hoje entregues aos galardoados têm muito pouco a ver com aquela que o General Fonseca usou. Talvez por isso é difícil encontrar imagens de cruzes da Ordem de Cristo do século XIX.

Cruz da Ordem de Cristo, 2ª metade do século XIX


4 - Cruz de Cavaleiro da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa

A insígnia de Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa foi a primeira condecoração que o General Fonseca recebeu. Por um capricho do Destino, o grau de Grã-Cruz da mesma Ordem viria a ser a sua última condecoração, com que foi agraciado duas semanas antes de falecer.

O pai do General Fonseca, João Silvestre da Fonseca, já tinha também recebido o grau de Cavaleiro da mesma Ordem, a 5/12/1849.

E, talvez em parte por esta "herança genética", o meu tio-avô Dr. Francisco de Assis de Menezes Belard da Fonseca empreendeu uma investigação exaustiva sobre os agraciados com a referida Ordem, nos seus três graus de Grã-Cruz, Comendador e Cavaleiro, que resultou na publicação do seu livro "A Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa", Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1955, que talvez ainda seja a obra mais completa sobre uma ordem honorífica publicada em Portugal.

Insígnia de Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, antes de 1868
Neste caso, esta fotografia é da condecoração efectivamente pertencente ao General Fonseca, mandada fotografar em 1955 pelo meu tio-avô para o seu livro


Insígnia da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, antes de 1910
Esta fotografia não é da condecoração do General Fonseca, e não a consigo datar, mas é a mais parecida de entre as imagens a cores que encontrei


5 - Cruz de Oficial da Ordem de São Bento de Aviz

O então Capitão António Joaquim da Fonseca recebeu a cruz de oficial da Ordem de São Bento de Aviz a 21/04/1868, poucos dias depois de lhe ter sido atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Foi esta, assim, a sua segunda condecoração.

Tal como sucede com a Ordem de Cristo, as insígnias da Ordem de São Bento de Aviz foram profundamente alteradas ao longo dos tempos e particularmente depois de 1910. A cruz que o General Fonseca usou era quase idêntica à da Ordem de Cristo, tendo diferente apenas o desenho da cruz ao centro e, obviamente, a cor da fita de suspensão, que ainda hoje é verde para a Ordem de Aviz e vermelha para a Ordem de Cristo.

Não foi fácil identificar esta condecoração na fotografia, dada a sua posição quase completamente de lado; mas pela semelhança das pontas da cruz com a da Ordem de Cristo e pela "cor" da fita de suspensão, apesar de a fotografia ser a preto-e-branco, só pode ser a cruz da Ordem de Aviz.

Cruz da Ordem de São Bento de Aviz, século XIX


6 - Placa de Comendador da Ordem de Cristo

O grau de Comendador da Ordem de Cristo foi conferido ao Major Fonseca a 26/04/1877.

A placa de Comendador da Ordem de Cristo teve algumas alterações significativas no seu desenho, tal como a venera equivalente da Ordem de Aviz, particularmente na existência ou não do coração sobre a cruz e na forma da própria estrela. A imagem que segue é a mais próxima que encontrei da placa usada pelo General Fonseca.

Placa de Comendador da Ordem de Cristo, século XIX

Note-se que, como no retrato do Major Fonseca esta venera está de lado, e como são muito semelhantes em tudo excepto no centro, em rigor a placa do retrato poderia ser a da Ordem de Aviz. Como, porém, sabemos que esse retrato é de 1877, e a Comenda da Ordem de Cristo foi conferida ao Major Fonseca a 26 de Abril desse ano, tendo sido agraciado com a Comenda da Ordem de Aviz a 19 de Maio de 1881, não pode haver dúvida sobre qual a placa que ele ostenta nesta fotografia.

Há uma outra fotografia da mesma sessão com o Major Fonseca, que está publicada no livro "A mão d'obra em S. Thomé e Principe", de Francisco Mantero, na qual as condecorações estão de frente; mas a pouca resolução e nitidez da gravura não adianta grande coisa a esta questão.

Esta fotografia do livro de Francisco Mantero foi retocada a lápis e tinta branca, particularmente nas medalhas, e o processo de impressão
retira-lhe bastante nitidez, pelo que o seu interesse para identificação das condecorações é praticamente nulo










General António Joaquim Gomes da Fonseca, em uniforme de gala e com todas as suas condecorações, c. 1895 (pormenor)


A seguinte fotografia em que o General Fonseca exibe as suas condecorações faz parte de uma série, datável aproximadamente de 1895, da qual tenho um exemplar em que o General está sentado. Conheço — e tenho neste site — outra em que está de pé, mas a visibilidade das condecorações é praticamente a mesma e as imagens que consigo da fotografia que tenho são maiores e mais nítidas.

Nesta altura já o General estava reformado havia mais de dez anos.

Mantenho a mesma numeração da fotografia anterior, para tornar mais claro quais as condecorações que não apareciam no retrato de 1877. Nesta fotografia o General Fonseca não usou a medalha da Sociedade de Geografia de Lisboa (a nº 1 da fotografia anterior).

2 - Colar de Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada (conferido a 22/07/1870)

3 - Cruz de Oficial da Ordem de Cristo

4 - Cruz de Cavaleiro da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (conferida a 06/04/1868)

5 - Cruz de Oficial da Ordem de São Bento de Aviz (conferida a 21/04/1868)

6 - Placa de Comendador da Ordem de Cristo (conferida a 24/04/1877)

7 - Medalha de prata de Assiduidade de Serviço no Ultramar (conferida a 06/09/1894)

8 - Medalha de prata de Valor Militar (conferida a 23/06/1881)

9 - Cruz de Oficial da "Légion d'Honneur" de França (conferida a 30/04/1880)

10 - Placa de Comendador da Ordem de São Bento de Aviz (conferida a 19/05/1881)

11 - Grã-Cruz da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco - Serviços em tempo de paz


Vamos ver uma a uma estas novas condecorações.

7 - Medalha de prata de Assiduidade de Serviço no Ultramar

Esta condecoração foi identificada mais pela fita de suspensão (os filetes negros sobre vermelho são inconfundíveis mesmo a preto-e-branco) do que propriamente pela medalha, que está excessivamente de lado para ser bem visível; mas comparando com a fotografia das condecorações do General Fonseca após a sua morte, que mostro mais à frente, e tendo em conta a lista das suas condecorações constante da "Nobreza de Portugal", vol. III, pg. 758, esta só pode ser a Medalha de prata de Assiduidade de Serviço no Ultramar, que lhe foi concedida a 06/09/1894 e publicada no Diário do Governo nº 227, de 06/10/1894.

Medalha de prata de Assiduidade de Servico no Ultramar, modelo de 1893

A Medalha Militar de Assiduidade de Serviço no Ultramar foi criada pelo rei D. Carlos em 1893, segundo creio, embora na medalha, sob o busto do Rei, conste a data de 1891. Teve quatro modelos; este modelo de 1893 vigorou até 1910.


8 - Medalha de prata de Valor Militar

A Medalha Militar, criada por D. Luís em 1863, tinha originariamente três classes – "Valor Militar", "Bons Serviços" e "Comportamento Exemplar"; as duas primeiras classes apenas tinham os graus ouro e prata, o "Comportamento Exemplar" tinha grau ouro, prata e cobre. As classes distinguiam-se pela inscrição no reverso da medalha, mas também pelas fitas de suspensão: todas as classes tinham nas fitas 5 filetes de cor alternando com 4 filetes brancos, mas no "Valor Militar" os filetes de cor eram azuis, nos "Bons Serviços" vermelhos e no "Comportamento Exemplar", talvez a mais frequente, eram verdes.

A Medalha de Valor Militar é hoje a segunda condecoração militar mais importante, imediatamente a seguir à Ordem da Torre e Espada, e já na altura era especialmente considerada, o que se traduz na maior raridade da sua atribuição em relação às outras duas classes.

Medalha de prata de Valor Militar - D. Luís I

A indicação que tenho é que esta medalha foi conferida ao General Fonseca depois de se ter reformado, por Decreto de 23/06/1881.


9 - Cruz de Oficial da "Légion d'Honneur" de França

O governo francês agraciou com o grau de Oficial da Legião de Honra o então Tenente-Coronel Fonseca, na altura Governador da Ilha do Príncipe, por Decreto de 30/03/1880.

As circunstâncias e razões desta atribuição merecem um estudo mais aprofundado, que se pode ver no final desta página, em «O estranho caso da "Légion d'Honneur"».

Cruz de Oficial da "Légion d'Honneur" - Modelo da III República

Por um mero acaso, tenho na minha posse a caixa na qual esta condecoração foi entregue ao Tenente-Coronel Fonseca. À falta da medalha em si, pode aqui ver-se o seu fabricante.


Caixa da Cruz de Oficial da "Légion d'Honneur" do Tenente-Coronel António Joaquim da Fonseca


10 - Placa de Comendador da Ordem de São Bento de Aviz

O General Fonseca foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem de São Bento de Aviz a 19/05/1881, ele que já tinha a Cruz de Oficial da mesma ordem desde 21/04/1868. Nas razões para esta atribuição diz-se expressamente ser a mesma "fundada nos merecimentos do agraciado e nos bons serviços prestados na provincia de S. Thomé e Principe".

As duas placas de Comendador do General Fonseca: à esquerda a da Ordem de Cristo, à direita a da Ordem de Aviz
Como se pode comprovar, são extremamente similares, o que indica serem provavelmente do mesmo fabricante e de datas muito próximas

Placa de Comendador da Ordem de São Bento de Aviz

A placa de Comendador da Ordem de Aviz pertencente ao General Fonseca não era rigorosamente igual a esta, como se pode comprovar mais acima. A fotografia que aqui está é a mais parecida que encontrei a cores.


11 - Grã-Cruz da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco - Serviços em tempo de paz

É por vezes referido que o General Fonseca foi condecorado, já depois de reformado, com a Ordem do Mérito Militar de Espanha. Em rigor, o que lhe foi conferido, e se pode ver neste retrato, foi a Ordem do Mérito Naval, uma das categorias da Ordem do Mérito Militar, e na sua vertente "distintivo branco", ou seja, com uma cruz toda branca, correspondente a "serviços especiais prestados em tempo de paz".

Investiguei um pouco esta questão, e socorri-me do saber e amabilíssima ajuda de um dos maiores especialistas espanhóis em Falerística, co-autor de uma extensa monografia precisamente sobre a Ordem do Mérito Militar de Espanha, o senhor D. Antonio Rodríguez Belles, a quem mais uma vez agradeço toda a colaboração e simpatia.

Uma das coisas que me causava maior estranheza era a atribuição de uma condecoração de Mérito Naval a um oficial de Artilharia, como era o General Fonseca, ainda por cima estrangeiro. Segundo D. Antonio Belles, a atribuição da Ordem do Mérito Naval a estrangeiros não era de forma alguma invulgar; por outro lado, verificaram-se vários casos de concessão do Mérito Militar a oficiais da Armada, e alguns (embora raros) casos como este, de atribuição do Mérito Naval a oficiais do Exército. Ou seja, sendo um caso raro, não é único.

A razão da atribuição desta condecoração é um mistério. O distintivo branco (ou seja, o facto de a cruz ser toda branca) indica que a condecoração foi concedida por serviços prestados a Espanha em tempo de paz, ou à Família Real espanhola, o que na época era basicamente o mesmo — e "serviço" podia ser, por exemplo, assistir a um casamento ou baptizado de membros da Família Real; aparentemente, ter-lhe-á sido concedida já depois de reformado, o que me parece reduzir as possibilidades de ter prestado um serviço a Espanha, mais plausível quando ainda era Governador do Príncipe. Claro que a condecoração pode ter sido atribuída em 1881, mas reportando-se a factos do seu último ano como Governador...

Não tenho, por enquanto, mais nenhuma informação que possa ajudar a resolver este mistério.

Grâ-Cruz do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco. 1º quartel do séc. XX









As condecorações do General Fonseca eram de tal forma consideradas pela sua família próxima que após a morte dele as condecorações foram fotografadas por um profissional, numa almofada, no cadeirão onde o General faleceu. Tenho essa fotografia e apresento-a a seguir.

Cadeira onde morreu o General António Joaquim Gomes da Fonseca e as suas condecorações, 1904

A Placa de Comendador e a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa são novidade nesta fotografia. Foram concedidas ao General Fonseca, Visconde de Santa Margarida, no mês anterior à sua morte: creio que nunca as terá chegado a usar.

Também aparece aqui a Cruz de 1ª Classe da Ordem do Mérito Naval de Espanha, distintivo branco, que já devia ter quando posou para o retrato de c. 1895 mas não usou nessa altura; apenas colocou a Grã-Cruz, não sei exactamente por que razão.

Nota-se que quem colocou as condecorações na almofada (provavelmente a Viscondessa viúva, ou o fotógrafo) não conhecia bem a precedência das condecorações, que estão razoavelmente misturadas...

Como fiz atrás, mantenho a mesma numeração da fotografia anterior.

2 - Colar de Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada (conferido a 22/07/1870)

3 - Cruz de Oficial da Ordem de Cristo

4 - Cruz de Cavaleiro da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (conferida a 06/04/1868)

5 - Cruz de Oficial da Ordem de São Bento de Aviz (conferida a 21/04/1868)

6 - Placa de Comendador da Ordem de Cristo (conferida a 24/04/1877)

7 - Medalha de prata de Assiduidade de Serviço no Ultramar (depois de 1893)

8 - Medalha de prata de Valor Militar (conferida a 23/06/1881)

9 - Cruz de Oficial da "Légion d'Honneur" de França (conferida a 30/04/1880)

10 - Placa de Comendador da Ordem de São Bento de Aviz (conferida a 19/05/1881)

11 - Grã-Cruz da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco - Serviços em tempo de paz

12 - Cruz de 1ª Classe da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco - Serviços em tempo de paz

13 - Placa de Comendador da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (conferida a 17/05/1904)

14 - Grã-Cruz da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (conferida a 17/05/1904)


Vamos então, para terminar, ver as novas condecorações presentes nesta fotografia.

12 - Cruz de 1ª Classe da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco - Serviços em tempo de paz

Não entendo a razão da concessão desta insígnia nem a sua ausência no retrato do General Fonseca de c. 1895. Não é possível que tenha sido concedida em simultâneo nem depois da Grã-Cruz, grau superior da Ordem, por isso é certo que o General Fonseca já a tinha por volta de 1895 quando se fez fotografar em uniforme de gala. A única razão plausível para não a usar nesse retrato é entender que, tendo o grau superior da Ordem, não deveria usar em simultâneo o grau inferior.

A causa de atribuição desta condecoração também terá de ser diferente e anterior ao motivo que levou à concessão da Grã-Cruz. Sem uma investigação nos Arquivos da Ordem, em Madrid, não é de momento possível avançar mais.

Cruz de 1ª Classe da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco - Serviços em tempo de paz. 1º quartel do séc. XX


13 - Placa de Comendador da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa

O grau de Comendador desta Ordem, de que já era Cavaleiro desde 06/04/1868, foi concedido ao General Fonseca a 17/05/1904, em simultâneo com a Grã-Cruz da mesma Ordem.

Placa de Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, pertencente ao 1º Visconde de Santa Margarida
(fotografada também em 1955 para publicação no livro do meu tio-avô Francisco). 1904


Placa de Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, c. 1910


14 - Grã-Cruz da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa

Como já referi, esta foi a última condecoração com que o General Fonseca, já Visconde de Santa Margarida, foi agraciado, a 17/05/1904. A Carta de Mercê da Grã-Cruz (que refere também a mercê da comenda, ao indicar que esta mercê da Grã-Cruz é "além de outra") foi passada a 30 do mesmo mês. Ocorre-me que ele pudesse já estar muito doente e estas condecorações, a Comenda e a Grã-Cruz, tenham sido a última homenagem que o rei D. Carlos lhe quis fazer. Não sei; mas creio que o Visconde nunca as terá chegado a usar, e não conheço nenhuma fotografia dele com estas insígnias.

Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e respectiva banda, pertencentes ao 1º Visconde de Santa Margarida (igualmente fotografadas em 1955). 1904




Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Há uma diferença significativa entre estas veneras
e a do General Fonseca, que é a posição da legenda; de resto, são extremamente semelhantes



30-05-1904 - Carta de Mercê da Grã-Cruz da Real Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa, concedida ao Visconde de Santa Margarida, General António Joaquim Gomes da Fonseca
in Francisco Belard da Fonseca, "A Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa", Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1955





E são estas as imagens que tenho das condecorações do General António Joaquim da Fonseca, 1º Visconde de Santa Margarida, juntamente com fotografias recentes de outros exemplares semelhantes. Se um dia tiver acesso às condecorações originais, prometo que as irei fotografar e estudar tão aprofundadamente quanto me for possível. Por enquanto... fica só o que aqui está.






O estranho caso da "Légion d'Honneur"


Cruz de Oficial da "Légion d'Honneur" - Modelo da III República



Conta-se na família que a "Légion d'Honneur" foi concedida ao então Coronel Fonseca, à época Governador da Ilha do Príncipe, como agradecimento do governo francês pelo acolhimento, hospitalidade e ajuda dada pelo Governador Fonseca a Pierre Savorgnan de Brazza, o célebre explorador italiano, naturalizado francês, que no último quartel do século XIX explorou a região da bacia do Congo e estabeleceu as bases para as possessões coloniais francesas na África Equatorial.

O Dr. Jorge Forjaz, in "Genealogias de São Tomé e Príncipe - Subsídios", 2011, repete esta afirmação numa nota de rodapé (nota 17, a págs. 178), ao referir a concessão do grau de oficial da Legião de Honra de França:



Ora um primo meu, o Miguel Belard da Fonseca, perguntou-me um dia que apoio teria o Governador dado a Brazza para merecer a atribuição da Legião de Honra, a mais alta condecoração de França e, em princípio, reservada a cidadãos franceses?

Não lhe soube responder, e, em boa verdade, nunca tinha pensado verdadeiramente nisso. Para o meu primo, deveria haver razões científicas, logísticas ou mesmo políticas na base desta atribuição. Era a época em que os países europeus procuravam garantir a sua fatia de África, o que levaria à Conferência de Berlim em 1884-85; Brazza procurava aumentar a influência francesa, em detrimento da belga, na região do Congo, culminando na criação do Congo Francês, ou Congo Brazzaville, a par do Congo Belga. O Governador Fonseca vivia há quase 20 anos em África e deveria, naturalmente, ter muitos contactos. O apoio que poderia dar a Brazza poderia ter uma componente geopolítica importante, e, mais do que um favor a Brazza, parece ter sido um favor ao governo francês.

Esta questão levou-me a investigar um pouco mais sobre a "Légion d'Honneur".

A pesquisa online feita na altura não deu frutos para além da informação de que os arquivos da mesma estariam em Paris, na "Grande Chancellerie de la Légion d’Honneur", na Rue de Solferino, mesmo ao lado do Musée d'Orsay. Escrevi para lá a pedir informações.

Quase um ano depois (!), quando já me tinha esquecido do assunto, recebi uma simpática carta da referida Grande Chancelaria, mas pouco me podiam adiantar a não ser a confirmação de que, de facto, têm registada a atribuição da condecoração a um

"[...] M. FONSECA, nommé officier de la Légion d'honneur à titre étranger par décret du 30 mars 1880, en qualité de colonel d'état-majeur portugais, gouverneur de l'ile du Prince."

E não há mais informações, porque a atribuição da Légion d'Honneur a estrangeiros não levava, normalmente, à constituição de um processo.



Pelo seu lado, o próprio Pierre Savorgnan de Brazza não adianta muito mais. No relato das suas expedições a África refere-se, de facto, ao então Major Fonseca e à sua passagem pela Ilha do Príncipe nestes termos:

in "Conférences et Lettres de P. Savorgnan de Brazza sur les trois explorations dans l'ouest africain de 1875 à 1886",
Maurice Dreyfous, Éditeur, Paris, 1887, pg. 57. Agradeço a indicação desta citação à Dra. Renata Monteiro Marques

Mantive a citação por mais um parágrafo do que o necessário porque não deixa de ser curioso imaginar Brazza, mal vestido e depois de passar três anos afastado da Civilização, na presença do nosso rei D. Luís...





A questão ficaria por aqui se não tivesse encontrado recentemente (em 2022), entre vários papéis do meu tio-avô Francisco de Assis de Menezes Belard da Fonseca, o grande arquivista e investigador da história da nossa família, uma cópia dactilografada de uma biografia do General António Joaquim Gomes da Fonseca, biografia anónima e que julgo inédita.

A análise do conteúdo dessa biografia faz-me crer que a mesma foi certamente escrita entre 1938 e 1946, e estou hoje convencido que o seu autor foi o Capitão José Augusto Brandão Pereira de Mello (1890-1974), oficial de artilharia, tal como o General Fonseca, e que, também como ele, foi Governador da Ilha do Príncipe (em 1938-39). O Capitão Pereira de Mello publicou algumas obras entre os anos 20 e 40 do século passado, nomeadamente "Os Governadores da Ilha do Príncipe", Vila Nova de Famalicão, 1944 - separata do "Boletim do Arquivo Histórico Militar" - Vol. 14º, 1944. As referências aí feitas ao Governador António Joaquim da Fonseca e o facto de o Capitão Pereira de Mello ter estado em São Tomé e no Príncipe, como o autor da biografia inédita, reforçam a minha convicção de ser ele o autor dessa biografia.

Nessa biografia repete-se a informação da relação directa entre a ajuda prestada a Brazza e a atribuição da Legião de Honra, nos seguintes termos:

"No ano seguinte [1879] era ainda louvado [...] pelo governo francês (Nota dirigida ao nosso governo, em 4 de Abril) pela coadjuvação que prestou ao explorador Brazza, por ocasião da sua estada na Colonia. Por isso foi ainda condecorado, pelo referido governo com o grau de Oficial da Legião de Honra, em 30 de Março de 1880."

E transcreve seguidamente dois documentos sobre o assunto. Apresento-os a seguir, com algumas notas minhas imediatamente abaixo de cada um. O primeiro é uma carta da Legação de França em Lisboa, dirigida ao governo português:

"Légation de France en Portugal. Lisbonne le 4 Avril 1879. Monsieur le Ministre. Monsieur le Contre-Amiral commandant la Division Navale française de l’Océan Atlantique sud[1] a signalé au Ministre de la Marine la généreuse hospitalité que Mr. de Brazza, de retour de son voyage d’exploration dans l’intérieur de l’Afrique[2] a reçu de Mr. le Major[3] de Fonseca, gouverneur de l’île du Prince[4]. Sur la demande de l’Amiral Jaurreguiberry[5] je suis chargé de transmettre au Gouvernement Portugais, et par son intermédiaire à Mr. de Fonseca, les remerciements du Gouvernement Français pour l’accueil plein d’Obligeance et de courtoisie dont a été l’objet notre jeune et courageux voyageur. Je saisis cette occasion pour renouveler à v.Ex.e les assurances de ma haute considération." (assinado) Laboulaye[6]

____________________
[1]Deve ser François-Hippolyte Allemand (1820-1895), Contra-Almirante desde 1875, o qual dirige a Divisão naval francesa do Atlântico sul de 1877 até 10 de Março de 1879; embora à data da carta já lhe tivesse sucedido no cargo Adolphe Lucien Mottez (1822-1892), este possivelmente ainda não teria tomado posse do cargo e certamente não estaria ao corrente dos pormenores da expedição de Brazza
[2]Trata-se da primeira expedição (1875-1878) de Pierre Savorgnan de Brazza à bacia do rio Congo e ao rio Ogoué, explorando territórios que viriam a formar o chamado Congo Francês e depois a África Equatorial Francesa e hoje fazem parte da República do Gabão
[3]De facto, quando Brazza o conheceu, em 1878, o Governador Fonseca era Major; quando este agradecimento foi enviado, contudo, já tinha sido promovido a Tenente-Coronel
[4]O Major Fonseca tinha sido nomeado, pela quarta vez, Governador da Ilha do Príncipe a 30 de Maio de 1877; exerceu este cargo durante quatro anos, até se reformar e pedir a exoneração do mesmo, decretada a 27 de Janeiro de 1881
[5]Almirante Jean-Bernardin (dito Bernard) Jaurréguiberry (1815-1887), Ministro da Marinha do governo francês em 1879
[6]Antoine Paul Lefebvre de Laboulaye (1833-1905), funcionário diplomático francês, nomeado em 1878 ministro plenipotenciário em Lisboa. Pierre Savorgnan de Brazza refere no seu relato das expedições, reproduzido acima, que Laboulaye o apresentou ao nosso rei D. Luís durante a sua passagem por Lisboa, precisamente no regresso desta sua primeira expedição


Não vi o documento original, que deve estar no Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas os nomes e datas são coerentes.

O outro documento, um ofício do Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo francês, datado de 6 de Abril de 1880 e dirigido directamente ao Governador Fonseca, diz o seguinte:

"Monsieur. J’ai l’honneur de vous faire connaître que M. le Président de la République[1], désireux de vous donner un témoignage particulier de son estime et de sa bienveillance, et de reconnaître la courtoisie avec laquelle vous avez reçu M. le Commandant Supérieur du Gabon[2], vient, par un Décret en date du 30 Mars dernier, rendu sur ma proposition, de vous conférer la croix d’Officier de l’Ordre national de la Légion d’Honneur. Il m’a été bien agréable d’être à même d’appeler sur vous cette marque de distinction et je m’empresse de vous transmettre le diplôme et les ensignes [sic] qui vous sont destinés.
Recevez, Monsieur, avec mes félicitations les assurances de ma considération distinguée. Le Ministre des Affaires Etrangères[3]"
(assinatura ilegível)

____________________
[1]Jules Grévy (1807-1891), Presidente da República Francesa entre 1879 e 1887
[2]Muito provavelmente o Contra-Almirante Adolphe Lucien Mottez (1822-1892), comandante da Divisão Naval Francesa do Atlântico Sul (e, por inerência, Comandante Superior do Gabão) desde 10 de Março de 1879. Pierre Savorgnan de Brazza foi nomeado comissário do governo francês para o Congo, mas só em Fevereiro de 1883. Em 1886, como comissário-geral, assumiu a autoridade sobre as colónias do Gabão e do Congo. Não pode ser ele este “Commandant Supérieur du Gabon” que o Governador Fonseca recebeu nos finais de 1879 ou inícios de 1880, o que justificou a atribuição da Legião de Honra
[3]Charles de Freycinet (1828-1923), o qual, embora fosse Presidente do Conselho de Ministros, acumulava o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros (o que não quer dizer que a carta não pudesse ter sido escrita e assinada por um secretário, daí a assinatura ilegível). Curiosamente, neste governo era Ministro da Marinha e das Colónias o mesmo Jean-Bernardin Jaurréguiberry (1815-1887) referido na carta anterior


Toda a questão está aqui. Há duas estadias de cidadãos franceses na Ilha do Príncipe: a de Pierre Savorgnan de Brazza, em Novembro ou Dezembro de 1878, e a do Comandante Superior do Gabão (como digo em nota, quase de certeza o Contra-Almirante Adolphe Lucien Mottez), em finais de 1879 ou inícios de 1880, e a causa directa da atribuição da Legião de Honra foi o acolhimento feito a esta segunda personalidade. A proximidade temporal das visitas e, possivelmente, a maior nomeada de Brazza devem ter estado na origem da confusão, que se perpetuou até hoje.

Devo acrescentar, de qualquer forma, que a atribuição da Legião de Honra na época se tinha banalizado consideravelmente. Uma grande parte dos militares e funcionários superiores franceses tinha algum grau desta insígnia, e mesmo em relação a estrangeiros é frequente ver a Legião de Honra entre as condecorações de oficiais superiores portugueses de finais do século XIX. Não me parece nada de anormal, para a época, a concessão da Legião de Honra como forma de agradecimento a um Governador de uma colónia portuguesa pela simples hospitalidade dada a um funcionário superior francês, num simples gesto de cortesia internacional. A ordem criada por Napoleão em 1802 para recompensar "serviços eminentes" prestados à França tinha caído bastante baixo!

Ainda assim, pelo menos a atribuição da Legião de Honra ao Governador António Joaquim Gomes da Fonseca teve um fundamento legítimo; alguns anos mais tarde, em 1887, rebentava em França um escândalo relativo ao tráfico de condecorações, organizado pelo deputado Daniel Wilson, genro do Presidente da República (o já citado Jules Grévy), que propôs — e obteve — a atribuição de milhares de condecorações, nomeadamente a "Légion d'Honneur", em troca de avultadas somas. O escândalo acabou por levar à demissão do próprio Presidente Grévy. Wilson foi primeiro condenado a dois anos de prisão e outras penas, juntamente com vários réus, mas recorreu e foi absolvido, com o fundamento de que não tinha existido fraude, pois as condecorações que ele "vendia" eram genuínas. Em 1888 retomou o seu assento parlamentar e foi mesmo reeleito em 1893 e 1896. Mas isso eram outros tempos...





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